sábado, 15 de outubro de 2011

NOSSA HISTÓRIA - POR RODRIGO QUEIRÓZ

Um som envolvente ecoava pelos terreiros deste Brasil, atraindo milhares de pessoas do simples ao abastado, do doutor ao iletrado, todos com suas aflições e dores buscavam nas casinhas do tambor a orientação, e quem sabe a cura para seus males.



Este movimento chamou atenção de um jovem jornalista carioca chamado João do Rio, visitando tendas, terreiros e ylês, lançava semanalmente em sua coluna crônicas sobre este universo “não” cristão.


Em 1906, João do Rio lança seu centenário livro Religiões do Rio, que é uma junção de seus textos e experiências. Lá encontramos relatos de várias vertentes religiosas como o Catimbó, Macumba, Xangô, Candomblé e outras. Contudo, nada consta sobre Umbanda.


Claro que não constaria. Talvez se ele tivesse esperado mais dois anos lá estaria alguma citação, provavelmente da origem, Zélio Fernandino de Moraes, o fundador da Umbanda.


Por outro lado, penso que assim tinha que ser, porque ainda hoje, 99 anos após a fundação desta religião, temos uma comprovação histórica da veracidade deste fato, ainda que muitos queiram falar ser a Umbanda originária disto ou daquilo, até mesmo que seja milenar.


Vamos aos fatos históricos. Relatados ao mundo por Pai Ronaldo Linares, pois recebeste esta incumbência do próprio Zélio.


Em 1908, um jovem carioca de 17 anos, se preparava para ingressar na Marinha. De família tradicionalmente católica, seguia sua fé como mandava o figurino. Eis que num determinado momento este jovem começa a ter atitudes e posturas estranhas. Por vezes se posicionava como um velho de linguajar precário e falava sobre ervas e remédios naturais, ora se mantinha como um jovem cheio de vigor e agilidade.


Estes fenômenos começaram a assustar sua família. Sua carinhosa mãe começou a via sacra em busca da cura para o filho que julgava estar louco.


Foi quando sua mãe o encaminhou para o tio médico, Dr. Epaminondas de Moraes, psiquiatra e diretor do Hospício da Vargem Grande. Após vários dias de observação e exames, não encontrando nada parecido na literatura médica da época, sugeriu à mãe do garoto que o levasse até um padre para fazer exorcismo, pois entendia que o mesmo sofria de uma possessão demoníaca.


Mais um tio de Zélio foi chamado, era padre e acompanhado de outros sacerdotes realizou três exorcismos, no entanto, os “ataques” prosseguiram deixando a família desolada.


Passado um tempo, Zélio foi tomado por uma paralisia parcial, não explicada pelos médicos, vez que não semostrava nenhuma enfermidade. Certo dia Zélio acorda em seu leito e diz: - Amanhã estarei curado! No dia seguinte começou a andar como se nada tivesse acontecido e detalhe, não houve atrofiamento muscular, como é típico em alguém que fica muito tempo deitado.


Sua mãe foi aconselhada a procurar um centro espírita, de pronto negou-se, pois entendia que ele deveria ser curado na sua religião e não tinha que se envolver com estas “coisas de espíritos”. Mas teve que render-se, foi então que procurou a recém fundada Federação Kardecista de Niterói, cidade vizinha de São Gonçalo das Neves, onde residia a famí l ia Moraes. A Federação era então presidida pelo senhor José de Sousa, chefe de um departamento da marinha chamado Toque Toque.


Zélio Fernandino de Moraes foi conduzido àquela Federação no dia 15 de Novembro de 1908, na presença do senhor José de Sousa, em meio aos ataques reconhecidos como mani festações mediúnicas. Convidado, sentou-se à mesa e logo em seguida levantou-se, afirmando que ali faltava uma flor. Foi até o jardim apanhou uma rosa branca e colocou-a no centro da mesa onde se realizava o trabalho. Tal iniciativa contrariou todas as normas da instituição o que causou certo tumulto e discussão. Após os ânimos se acalmarem, Zélio foi “tomado” por uma entidade.


José de Sousa, que possuía também a clarividência, verificou a presença de um espírito manifestado através de Zélio e passou ao dialogo a seguir: (este texto abaixo foi extraído das Apostilas do Curso de Formação Sacerdotal da FEDERAÇÃO UMBANDISTA DO GRANDE “ABC” e confirmado de forma presencial pelas turmas do 1º ao 4º Barco, ministrado por Pai Ronaldo Linares, na ocasião estes tiveram contato pessoal com Zélio).


“Senhor José: Quem é você que ocupa o corpo deste jovem?


O espírito: Eu? Eu sou apenas um caboclo brasileiro.

Senhor José: Você se identifica como caboclo, mas vejo em você restos de vestes clericais!


O espírito: O que você vê em mim, são restos de uma existência anterior. Fui padre, meu nome era Gabriel Malagrida, acusado de bruxaria fui sacrificado na fogueira da inquisição por haver previsto o terremoto que destruiu Lisboa em 1755. Mas em minha última existência física Deus concedeu-me o privilégio de nascer como um caboclo brasileiro.


Senhor José: Porque o irmão fala nesses termos, pretendendo que esta mesa aceite a manifestação de espíritos que pelo grau de cultura que tiveram quando encarnados, são claramente atrasados? E qual é o seu nome irmão?


O espírito: Se, julgam atrasados esses espíritos dos pretos e dos índios, devo dizer que amanhã estarei na casa deste aparelho (o médium Zélio) para dar início a um culto em que esses pretos e esses índios poderão dar a sua mensagem, e assim, cumprir a missão que o plano espiritual lhes confiou. Será uma religião que falará aos humildes, simbolizando a igualdade, que deve existir entre todos os irmãos encarnados e desencarnados. E se querem saber o meu nome, que seja este: “Caboclo das Sete Encruzilhadas”, porque não haverá caminhos fechados para mim. Venho trazer a Umbanda, uma religião que harmonizará as famílias e que há de perdurar até o final dos séculos.


Senhor José: Julga o irmão que alguém irá assistir ao seu culto?


O espírito: Cada colina de Niterói atuará como porta-voz, anunciando o culto que amanhã iniciarei.


No desenrolar da conversa senhor José pergunta se já não existem religiões suficientes, fazendo inclusive menção ao espiritismo.


O espírito: Deus, em sua infinita bondade, estabeleceu na morte, o grande nivelador universal, rico ou pobre poderoso ou humilde, todos tornam-se iguais na morte, mas vocês homens preconceituosos, não contentes em estabelecer diferenças entre os vivos, procuram levar estas mesmas diferenças até mesmo além da barreira da morte. Por que não podem nos visitar estes humildes trabalhadores do espaço, se apesar de não haverem sido pessoas importantes na Terra, também trazem importantes mensagens do além? Porque o não aos caboclos e pretos velhos? Acaso não foram eles também filhos do mesmo Deus? Amanhã, na casa onde meu aparelho mora, haverá uma mesa posta a toda e qualquer entidade que queira ou precise se manifestar, independente daquilo que haja sido em vida, todos serão ouvidos, nós aprenderemos com aqueles espíritos que souberem mais e ensinaremos aqueles que souberem menos e a nenhum viraremos as costas a nenhum diremos não, pois esta é a vontade do Pai.


Senhor José: E que nome darão a esta Igreja?

O espírito: Tenda Nossa Senhora da Piedade, pois da mesma forma que Maria ampara nos braços o filho querido, também serão amparados os que se socorrerem da Umbanda.”

Zélio de Morais contou que no dia seguinte, 16 de novembro, ocorreu o seguinte:


Minha família estava apavorada. Eu mesmo não sabia explicar o que se passava comigo. Surpreendia-me haver dialogado com aqueles austeros senhores de cabeça branca, em volta de uma mesa onde se praticava para mim um trabalho desconhecido. Como poderia, aos dezessete anos, organizar um culto?


No entanto eu mesmo falara, sem saber o que dizia e por que dizia. Era uma sensação estranha: uma força superior que me impelia a fazer e a dizer o que nem sequer passava pelo meu pensamento. E, no dia seguinte em casa de minha família, na Rua Floriano Peixoto, 30, em Neves, ao se aproximar a hora marcada, 20 horas, já se reuniam os membros da Federação Espírita, seguramente para comprovar a veracidade dos fatos que foram declarados na véspera, os parentes mais chegados, amigos, vizinhos e, do lado de fora, grande número de desconhecidos.


Pontualmente às 20:00 horas o Caboclo das Sete Encruzilhadas incorporou e com as palavras abaixo iniciou seu culto:


"- Vim para fundar a Umbanda no Brasil, aqui inicia-se um novo culto em que os espíritos de pretos velhos africanos e os índios nativos de nossa terra, poderão trabalhar em benefício dos seus irmãos encarnados, qualquer que seja a cor, raça, credo ou posição social. A prática da caridade no sentido do amor fraterno, será a característica principal deste culto."


O Caboclo estabeleceu as normas do culto: sessões, assim se chamariam os períodos de trabalho espiritual, diárias das 20 às 22 horas, os participantes estariam uniformizados de branco e o atendimento seria gratuito.


O fato de se ter fundado a Umbanda numa sexta-feira fez com que até hoje, tradicionalmente, a maioria dos terreiros trabalhem neste dia.


Ditadas as bases do culto, após responder, em latim e em alemão às perguntas dos sacerdotes ali presentes, o Caboclo das Sete Encruzilhadas passou à parte prática dos trabalhos, curando enfermos e fazendo andar aleijados.


Após a “subida” do Caboclo, manifestou-se uma entidade conhecida como “preto velho” que saindo da mesa se dirigiu a um canto da sala onde permaneceu agachado.


Questionado sobre o porquê de não ficar na mesa respondeu:


“Nego num senta não meu sinhô, nego fica aqui mesmo. Isso é coisa de sinhô branco e nego deve arespeita”.


Após insistência ainda completou:


"Num carece preocupa não, nego fica no toco que é lugar de nego".


E assim continuou dizendo outras coisas mostrando a simplicidade, humildade e mansidão daquele que trazendo o estereótipo do preto velho, se identificou como Pai Antônio e logo cativou a todos com seu jeito.


Ainda lhe perguntaram se ele não aceitava nenhum agrado, ao que respondeu:


"Minha cachimba, nego qué o pito que deixo no toco, manda moleque busca”.


Esta frase originou o ponto cantado com este texto. Todos ficaram perplexos, estavam presenciando à solicitação do primeiro elemento material de trabalho dentro da Umbanda.


Na semana seguinte todos trouxeram cachimbos que sobraram diante da necessidade de apenas um para o Pai Antônio. Assim, o cachimbo foi instituído na linha de pretos velhos. Pai Antônio também foi a primeira entidade a pedir uma guia (colar) de trabalho.


O pai de Zélio freqüentemente era abordado por pessoas que queriam saber como ele aceitava tudo isso que vinha acontecendo em sua residência. Sua resposta era sempre a mesma, em tom de brincadeira respondia que preferia um filho médium em lugar de um filho louco. Foi um trabalho árduo e incessante para o esclarecimento, difusão e sedimentação da Umbanda.


Dez anos após a fundação da Tenda Nossa Senhora da Piedade (registrada como tenda Espírita, porque não ser aceito na época o registro de uma entidade com especificação de Umbanda), o Caboclo das Sete Encruzilhadas declarou que iniciava a segunda parte de sua missão: a criação de sete templos, que seriam o núcleo do qual se propagaria a religião da Umbanda.


Em 1935 , estavam fundados os sete templos idealizados pelo Caboclo das Sete Encruzilhadas, sendo curiosa a fundação do sétimo, que receberia o nome de Tenda São Jerônimo (a casa de Xangô).


Faltava um dirigente adequado a mesma, quando numa noite de quinta feira, José Alvares Pessoa, espírita e estudioso de todos os ramos do espiritualismo, não dando muito crédito ao que lhe relatavam sobre as maravilhas ocorridas em Neves, resolveu verificar pessoalmente o que se passava.


Logo que entrou na sala em que se reuniam os discípulos do Caboclo das Sete Encruzilhadas, este interrompeu a palestra e disse:


"Já podemos fundar a Tenda São Jerônimo e seu dirigente acaba de chegar."


O senhor Pessoa ficou muito surpreso, pois era desconhecido no ambiente e não anunciara a sua visita. Viera apenas verificar a veracidade do que lhe narravam. Após breve diálogo em que o Caboclo das Sete Encruzilhadas demonstrou conhecer a fundo o visitante, José Alvares Pessoa assumiu a responsabilidade de dirigir o último dos sete templos que a entidade criava.

Dezenas de templos e tendas, porém, seriam criados posteriormente, sob a orientação direta ou indireta do Caboclo das Sete Encruzilhadas.


Em 1939, o Caboclo das Sete Encruzilhadas determinou a fundação de uma Federação (posteriormente denominada de União Espírita de Umbanda do Brasil, segundo relata Seleções de Umbanda n.º 7 1975) para congregar templos Umbandistas e ser o núcleo central deste culto, no qual o simples uniforme branco de algodão dos médiuns estabelece a igualdade de classes e a simplicidade permitida pelo ritual.


Enquanto Zélio esteve encarnado foram fundadas mais de 10.000 tendas. Após 55 anos de atividades este entregou a direção dos trabalhos da Tenda Nossa Senhora da Piedade à suas filhas Zélia e Zilméia. Mais tarde junto com sua esposa Maria Elizabete de Moraes, médium ativa da tenda e aparelho do Caboclo Roxo fundou a cabana de Pai Antônio no distrito de Boca do Mato, município de Cachoeiras do Macacu – RJ.


† Zélio Fernandino de Moraes desencarnou no dia 03 de Outubro de 1975. †


A cerimônia fúnebre de Zélio foi celebrada por Pai Ronaldo Linares a pedido de seus familiares.

Suas filhas deram continuidade ao trabalho e a “Tenda Nossa Senhora da Piedade” existe até hoje sob a direção de Zilméia de Moraes.


Nesta história temos o fato histórico da primeira manifestação da Umbanda, o momento em que um Caboclo manifesta-se em uma vertente diferente das conhecidas afro-brasileiras.


Pois é, Caboclos e Pretos Velhos já se manifestavam nos terreiros de Catimbó, de Macumba Carioca e outros. Ficou a cargo do Caboclo Sete Encruzilhadas a separação do joio e do trigo. As manifestações espirituais começaram a se focar na Umbanda, o que facilitou a criação de sua identidade.


Alguns estudiosos defendem que a origem da Umbanda não seria no Brasil, e sim uma ramificação de outros cultos africanos, outras linhas de estudos apontam que ela se originou na Lemuria e Atlântida, vindo a se reapresentar no Brasil na data citada.


Veja o que Pai Ronaldo Linares, Sacerdote de Umbanda e presidente da Federação Umbandista do Grande ABC, comenta numa entrevista concedida a TV Umbanda Sagrada, ressaltando que Pai Ronaldo conviveu com Zélio, o qual o delegou a função de fazer ser conhecida a história do nascimento da Umbanda.


“- Há um pouco de desinformação, também houve um tempo em que se quis “branquear” a Umbanda, levando a crer que ela se originaria do Hinduísmo, ou do Egito Antigo, enfim… Porém eu fiz uma pesquisa séria aliada a outras e ao que tudo indica não existia nenhuma tenda ou segmento religioso que usasse o nome Umbanda antes de 1908. A Umbanda é um pouco negra, um pouco indígena, um pouco branca, temperada com tudo o que faz parte do povo brasileiro.


O vocábulo Umbanda é africano, e daí? Se 50% da população brasileira é negra e mistos?


Não creio na teoria da Umbanda quadrimilenar, pra mim, Umbanda é o Preto Velho, o Caboclo e a Criança, como ensinou Papai Zélio…”


Pratique Umbanda pela Umbanda e isso basta.


Parabéns Pai Zélio que lá de Aruanda deve se emocionar com este belo exército branco de Oxalá que honra o seu trabalho.

Saravá Umbanda!


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