sábado, 26 de março de 2011

Defumação e suas origens- Parte 2

Defumação e suas Origens.

Defumação, a Fumaça Sagrada


“Em eras remotas, o cigarro tinha o dom de afugentar os maus espíritos. Em sagradas pajelanças, guerreiros recebiam lufadas de fumo exortando a força e a coragem.Fumar simbolizava comunhão,o cachimbo da paz, pórtico de enlevo para os céus, nos luares de todos os sertões. Curandeiros presidiam cultos utilizando-se do tabaco, e o fumo e seu incenso irmanavam cânticos e danças em litúrgicas bênçãos.” (Romildo Sant'Anna)


O Homem utilizou desde sempre o fumo e os seus odores sob a forma de oferendas, em agradecimento aos seus Deuses e, também, como meio de purificação de ambientes,pessoas e depuração das energias.


Desde a antiguidade que as libações de incenso são utilizadas,e hoje como antes, os efeitos de um bom incenso, preparado magicamente, podem ter os mais variados usos, trazendo paz de espírito, prosperidade e limpeza. Associase o uso dos incensos à purificação e à elevação a Deus, gerando a fumaça bem-estar e proteção. Encontramos, assim, a origem do uso xamânico do fumo como "Erva Sagrada" enteógena (que leva a Deus).


Na espiritualidade,o poder do incenso mostra-se ainda mais amplo e a sua função de limpeza imprescindível, num conjunto de energias transmutadas de ervas, litúrgicas ou não, que, de acordo com suas funções, ocasionam uma grande mudança na nossa percepção e disposição,porque o incenso limpa e facilita o nosso acesso a um padrão vibratório mais propício à prática litúrgica.


Se a defumação é sagrada e consagrada pelo mundo inteiro,desde os monges tibetanos até os padres católicos, o turíbulo (pequeno incensário feito de metal ou barro) do Guia é o charuto, o cachimbo ou o cigarro. Faz parte da cultura indígena e,por extensão,da Umbanda.Não devemos confundir a fumaça do charuto com a defumação através de ervas. Ambas têm funções importantes na religião, mas são usadas de forma diferente pelos guias espirituais. Estes não fumam no sentido vulgar da palavra, usam o fumo e a fumaça para fazer uma defumação direcionada, unindo o sopro, intenção e elemento para alcançar o resultado pretendido, seja pelo charuto do caboclo ou do exu, pelo cachimbo do preto-velho ou pelo cigarro do baiano. Para os xamãs “pelo sopro Deus fez o homem”;o sopro,nosso vento pessoal, é um dos mais importantes ingredientes de cura para os xamãs e para muitas outras tradições, pois o sopro liberta-nos, dá-nos vida.


O fumo comporta em si os 4 sagrados elementos; terra (pela sua origem vegetal), fogo (quando aceso), ar (onde se desenvolve a fumaça) e água (na sua humidade relativa). Estes elementos e a sua transmutação serão abordados em artigo a publicar oportunamente, cabendo-nos agora centrarmo-nos no uso do fumo litúrgico nos seus diversos aspectos.


PARTE I - Fumaça e Defumação


Ninguém sabe quando a humanidade começou a usar as plantas aromáticas. Há evidências do período Neolítico de que ervas aromáticas eram usadas em culinária e medicina, e que ervas e flores eram enterradas com os mortos.A fumaça ou fumigação foram provavelmente um dos usos mais antigos das plantas, como parte de oferendas rituais aos deuses. Gradualmente, um conjunto de conhecimentos sobre as plantas foi acumulado e passado a centenas de gerações de xamãs, assim como as lendas associadas à Criação, como a mítica história das deusas pássaro. Eram utilizadas em rituais religiosos e mágicos, assim como nas artes curativas.


Origens e Religiosidade


Os sacerdotes e sacerdotisas Egípicios eram as únicas pessoas que tinham acesso a estas preciosas substâncias. Quando o Egipto se fez um país forte, os seus governantes importaram de terras distantes incenso, sândalo, mirra e canela. Os faraós congratulavam-se em oferecer às deusas e aos deuses enormes quantidades de madeiras aromáticas, gomas, resinas e perfumes de plantas, queimando milhares de caixas desses materiais preciosos. Todas as manhãs as estátuas eram untadas pelos sacerdotes com óleos aromáticos. Queimava-se muito incenso nas cerimónias do templo, durante a coroação dos faraós e rituais religiosos. Queimavam-se também em enterros, para neutralizar odores e afugentar maus espíritos.


Os Sumérios ofereciam bagas de junípero como incenso à deusa Inanna. Mais tarde, os Babilónios perduraram rituais,queimando esse suave aroma nos altares de Ishtar. Acreditava-se que a direcção que a fumaça levantava determinaria o futuro – se a fumaça se movesse para a direita, a resposta era o êxito; se movesse para a esquerda,a resposta era o fracasso.


A Aromaterapia tem sido uma parte essencial do ritual religioso hindu e budista desde o tempo dos Vedas, cuja idade pode ser estimada em 5.000 a.C.O incenso favorece um estado meditativo, por isso ele também foi incorporado pelos budistas, que são naturalmente adversos a rituais externos. É usado na iniciação de lamas e monges e é oferecido aos bons espíritos nos cultos diários.


Os Gregos e Romanos acreditavam que as plantas aromáticas procediam dos deuses e deusas. Queimavam o incenso como obrigação e para protecção das casas. Em Roma, usava-se nas ruas e em especial na adoração do Imperador. O povo chegou a consumir tantos materiais aromáticos que, no ano de 565, foi decretada uma lei que proibia utilizar essências aromáticas pelas pessoas, com medo de não se ter suficiente incenso para queimar nos altares das divindades.


Os nativos Americanos, vivendo em harmonia com a terra, sempre a reverenciaram como geradora de vida. Desde há muito que conhecem as propriedades de cura das plantas, usadas em tendas de suor, dança do tambor, etc. Queima-se salva branca, cedro, pinho e resinas para limpeza de objectos e rituais de adoração.São usadas para a saúde e o bem-estar da tribo.


Também para o povo Judeu, o incenso tinha um significado de honra a Deus ou a um Rei. Diz o Salmo 140: "Que minha oração suba até vós como o fumo do incenso." (v.2) Na sua Sagrada Liturgia, o incenso passou a incensar o Santíssimo Sacramento e demais sinais litúrgicos (o altar, a cruz,as santas imagens,os sacerdotes,os fiéis),e passou a ter um simbolismo litúrgico próprio. De acordo com o Zohar (livro sagrado para os judeus cabalistas), oferecer incenso é a parte mais preciosa do serviço doTemplo para os olhos de Deus. A honra de conduzir este serviço é permitida somente uma única vez na vida. Diz-se que quem teve o privilégio de oferecer o incenso está recompensado pela sorte com riqueza e prosperidade para sempre, neste mundo e no seguinte.


Na Idade Média, os boticários queimavam ervas e sais contra a peste.


E como esquecer a maravilhosa história Cristã dos três Reis Magos, que presentearam com o Líbano e a Mirra o Mestre Jesus,quando ele nasceu?


Essas resinas aromáticas tornaram-se essências, transformadas em incenso, de grande importância e fragrância.


A defumação nas religiões Afro-Brasileiras


Para o índio nativo,o fumo provinha de plantas sagradas e a sua fumaça curava as doenças, proporcionando o êxtase, dando poderes sobrenaturais e pondo o pajé em comunicação com os espíritos. Deste modo, podemos considerar que a adopção da fumaça como um elemento ritual importante e depois como terapia é uma herança do xamanismo. Deste, foram preservadas as ervas e raízes nativas como base dos trabalhos e na prática da fumigação magisticamente preparada.


Um dos primeiros fundamentos litúrgicos encontrados em algumas religiões como o Tambor-de-Mina, o Catimbó, ou o Batuque é o uso da defumação para curar doenças ou o emprego do fumo para entrar em estado de transe, no sentido da comunicação com o mundo dos espíritos, entre os quais a alma viaja durante o êxtase.


Estas influências indígenas vão ter reflexo, mais tarde, nos Candomblés de Caboclo e, anos depois, na Umbanda, carregando esta, de igual modo, também uma herança transposta quase directamente da cultura indígena para a sua liturgia específica.


A defumação na Umbanda


A defumação é essencial para qualquer trabalho num terreiro de Umbanda, bem como nos ambientes domésticos. Este ritual é praticado com o objectivo de purificar o ambiente (terreiro/residência), bem como o corpo do médium e a assistência (pessoas que irão participar da gira), purificando e depurando as energias existentes e preparando o local para que o trabalho possa decorrer em harmonia.


A defumação é feita com carvão em brasa,dentro de um turíbulo (pequeno incensário feito de metal ou barro), colocando-se no recipiente as ervas secas escolhidas.Ao queimarmos as ervas, libertamos em alguns minutos de defumação todo o poder energético aglutinado em meses ou anos absorvido do solo da Terra, da energia dos raios de sol, da lua, do ar, além dos próprios elementos constitutivos das ervas. Deste modo, projecta-se uma força capaz de desagregar miasmas e larvas astrais que dominam a maioria dos ambientes humanos,produto da baixa qualidade de pensamentos e desejos, como raiva, vingança, inveja, orgulho, mágoa, etc.


Existem diferentes tipos de ervas para cada objectivo que se tem ao fazer-se uma defumação que, associadas, permitem energizar e harmonizar pessoas e ambientes,pois ao queimá-las, produzem reacções diversas no plano imaterial.Há vegetais cujas auras são agressivas e repulsivas, e que afastam alguns desencarnados de vibração inferior, servindo de barreiras fluídico-magnéticas.


Outros, harmonizando o ambiente, ajudam o médium e o consulente a captarem com mais qualidade as energias superiores, mantendo a mente da pessoa mais concentrada e propícia a esta percepção.


A Defumação é assim um processo ativo do exercício da mediunidade de cada um e parte importante da Liturgia da Umbanda, devendo ser feita com muito rigor e cuidado.






Fonte:


Jornal Umbandista Portugues "FUNDAMENTO"

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